segunda-feira, 21 de abril de 2014

VERSOS DE UMA MENTE SÃ



Giovanna largou a arma na gaveta e voltou a trancá-la. Que patético!
Não podia acreditar que por um minuto sequer tinha cogitado a ideia de usá-la. Em sua mente havia sonhado com esse momento. Agora já tinha planejado data e hora, carregado a bateria da câmera e separado os instrumentos que precisaria.
Voltou a abrir a gaveta e pegou uma caderneta marrom e sua caneta de bico fino. Colocou as duas sobre a cômoda e trancou a gaveta novamente, não sem antes dar um ultima olhada na arma.

24 de maio de 2014
Pensamentos psicopatas rodavam em sua mente
Mente saudável que mentia saudosamente.
Poderia ser sociopata, psicopata e uma infinidade
De outras doenças da mente.

Um versinho para celebrar a noite. Giovanna versou em sua caderneta, como assinatura, desenhou o olho de André e a letra G. Na semana passada, ele havia dito que somente Giovanna conseguia desenhar seu olho com tamanha exatidão. Ela sorriu.
No canto da sala, André repousava com a cabeça encostada na parede, os braços pendiam sobre suas pernas e levemente o polegar encostava no rasgo que sua calça tinha, um pouco acima do joelho.
Aproximou-se dele e com calma tirou seu chapéu, deixando os cabelos loiros caírem sobre o rosto. Gostava deles assim, cobrindo parcialmente os olhos e a sobrancelha arqueada.

-Meu bem, fiz o café do modo como gosta. Duas doses de conhaque. Sente o cheiro? - Disse com um sorriso sádico nos lábios vermelhos.

Giovanna era magra e foi com dificuldade que conseguiu levantar André e o arrastar para a mesa da cozinha, sentando-o na cadeira de frente para a sua. Voltou a colocar o chapéu em sua cabeça, deixando o cabelo formar uma estranha ondulação, como ele sempre costumava fazer.
A pele de André agora exibia um tom mais pálido do que nunca. Era como uma pintura em branco, onde só se destacavam as veias de um verde quase cinza que chegavam a formar um mapa. As veias eram os rios.
                                                                                                                           .
                                                                                                 Em algum lugar, uma pinta vermelha

Mesmo sem vida, André continuava com aquele ar maravilhosamente depravado. Sua boca formava um sorriso tênue e vago. O cabelo era fino, de um loiro morto. Mesmo se vestisse seu melhor casaco branco, sapatos de bico fino marrom e penteasse os cabelos para trás, jamais conseguiria disfarçar aquela aparência perversa e decadente. Era como um anjo, mas dos caídos.
Sua camisa branca, agora manchada de sangue, proporcionava um ar mais atormentado, que combinava tão bem com ele. Era bonito como o sangue escuro combinava com o tom pálido de sua pele.

A pele, sempre a pele.

Ela era o motivo por André estar ali, naquela situação. E aqui cabe uma nota.
Giovanna não trancou a arma na gaveta por covardia. Não podia estragar sua obra perfurando sua pele com algo tão banal quanto uma arma. Preferiu a adaga alemã que André tinha lhe dado de presente de aniversário. Era afiada, reluzia com o mínimo sinal de luz. O golpe foi certeiro, direto no abdômen.
Se disparasse a arma estaria tudo acabado.
Prepararia um café com conhaque, sentaria no sofá e ligaria a TV. Esperaria até a manhã seguinte. E não seria preciso esperar muito, logo veria a si própria nos noticiários da manhã.
Manhã news, SBT manhã, SP no ar, seu rosto estamparia todos.
Qual seria a manchete?

“Mulher atira em ex companheiro por ciúmes”

Seria de dar pena. Um crime tão bonito submetido a uma manchete ridícula e barata daqueles jornais imundos e hipócritas.
Giovanna nunca sentiu ciumes de André. Nunca brigaram, nunca houve desentendimentos. Assim como sua melhores lembranças, seus melhores versos sempre foram dedicados à André.
O que nutria era visto como obsessão por seus amigos, os remédios que sua psicóloga receitava eram bons, tomava-os sempre antes do almoço. Mas ele não entendiam, nunca poderiam entender.
Giovanna não tinha nenhum problema, não tinha nada de anormal com sua mente, ela funcionava bem. Até melhor do que a de muita gente por ai.
Não, eles não podem entender.
Foi quando assistiu ao mais novo filme que retratava a vida de Ginsberg, seu poeta favorito, que tudo ficou claro. Tudo se acalmou.

"Algumas coisas, assim que as amamos 
se tornam nossas para sempre,
E se tentarmos deixá-las elas dão
a volta e regressam para nós.
Se tornam parte de quem somos
Ou destroem-nos."


Era a citação de que mais gostava. Escreveria em um pedaço de papel e deixaria junto ao corpo de André. Continuou observando a mancha de sangue que aumentava na camiseta dele, era de um tonalidade bonita. 
- Já teve vontade de matar alguém, só pra saber como é? - Sempre perguntou isso para André, e ele sorria, nunca respondia.

- Você sempre soube,querido. É tão culpado quanto eu.- André não respondeu, não poderia. Mas ainda assim o sorriso depravado continuava ali.
No caso das manchetes, Giovanna daria algo melhor para eles. De um crime banal faria uma obra de arte. A mesma adaga que sorveu os goles da vida de André serviria para encher de vida as tapeçarias da cidade. Pesquisou bastante. Dissecou livros antes de dissecar seu amor. A pele de André daria belos tapetes.

- Você sempre gostou dos meus pés e eu da sua pele. Ainda sou sua artista preferida? - Giovanna tomou o último gole do seu café que já estava frio, foi até o quarto e buscou a caderneta. Deixou o olhar se demorar no rosto de André.

Giovanna ficou ali absorta em seus pensamentos.
Era tão bonito conseguir ver poesia em tudo.

sábado, 19 de abril de 2014

ESTIVE PENSANDO

Eu estive pensando
em Van gogh e Theo, em sua orelha decepada
em sua mente desvairada
Eu estive pensando em ser um tapete, quaisquer tapetes saberiam dizer o quão fácil é ficar parado e ser lavado e pisoteado e dobrado
Eu estive pensando em qualquer coisa relacionada à América e em toda a sua métrica mas ficou tão chato que não caberia neste poema.
Eu estive pensando pensando e falando e reclamando e am[ando] Eu acho que ando ando amando.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

365 DIAS DE GABRIEL (éis)



Cap. 1
Apresentação de uma quase história


Essa é uma historinha engraçada. E mais engraçada ainda é a minha definição para “historinha”
Não é de amor, pode até ser que seja de afeto. Mas sabe aquela coisa de rir pra não chorar? É tipo aquelas historias que de tão tristes acabam sendo engraçadas. Mas que coisa, ainda assim não tô conseguindo definir bem sobre o que vou contar. Não é triste, porque não tem tristeza aqui. Tem o drama, que torna tudo mais aceitável. 
Aliás posso garantir aos senhores que drama é algo presente em 99,9% dessas linhas. Se bem que... Não é uma historia, eu bem queria que fosse. São apenas fatos desenrolados no dia a dia de uma vida entediante. Na verdade tudo começou com um livro ó: Monólogos sentimentais. Foi dai que eu percebi que monólogos é tudo que acontece na minha cabeça. O tempo todo.
Eu sempre tive essa mania esquisita de dialogar comigo mesma, sabe, com freqüência. Mas freqüência tipo o tempo todo. Estranho né? Não que eu não tivesse pessoas pra conversar, é claro que eu tinha.

Tinha?

Mas é que estranhamente os melhores conselhos do mundo eu mesma dava pra mim.
Que absurdo gente.
Isso chega a soar até um pouco narcisista da minha parte. Mas eu vou começar com uma palavra intrigante.

Projeção.

Eu até pesquisei melhor pra saber do que, exatamente, se trata. É que sabe, esse negócio de ter uma única palavra que pode ter vários significados sempre me deixou confusa.
Projeção: Mecanismo de defesa, onde os atributos pessoais de um indivíduo, sejam pensamentos inaceitáveis ou indesejados, sejam emoções de qualquer espécie são atribuídos a outra pessoa.
É mais ou menos você projetar seus desejos, sentimentos e pensamentos mais profundos em outra pessoa. Quase que uma carência exacerbada. Bom, eu vejo um pouco dessa forma.

Eis que um belo dia tinha um trecho assim:

 “O nome disso é projeção. Eu sou esse cara que se apaixona por um monte de gente, o tempo todo, mas eu juro que são coisas diferentes, de jeitos específicos. Amores dentro de mim são como meios de transporte, cada um tem o seu lugar – a água para os barcos, o céu para os aviões, as estradas para os carros”

E nossa, eu sou exatamente esse tipo de pessoa. Começou bem assim.

- Ele já me pertencia antes mesmo de eu pedir permissão. Só ele que não via isso.

O nome dele é Gabriel.

- Ele coloriu nosso romance com tinta verde. Da cor dos meus olhos. Foi assim que ele me conheceu, pintando meu nariz.

 O nome dele é Gabriel.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

GIOVANNA SABIA MESMO COMO GOSTAR



Eu gosto de você,
André dizia.
Giovanna sempre foi rápida em entender as coisas, mas
em matéria de amor sua nota era baixa.

Eu gosto de você - ele dizia, enquanto segurava seus dedos e 
Giovanna sempre  respondia o monólogo doce dele com um sorriso sincero.
                                                                     Monólogo sim.   
       Giovanna sempre deixava André falando sozinho. Não por não saber o que falar, tampouco por não
    gostar de conversar, mas sim porque ficava observando as linhas que se formavam nas sobrancelhas 
                             de André toda vez que ele ficava sem resposta. Achava-o tão bonito. 
  Quanto ao tal do gostar, preferia pensar de outro modo.
Do seu modo singular, gostar não bastava.

Eu gosto de você,
André dizia.

Giovanna não entendia, até se esforçava e ninguém podia dizer o contrário.
- Mas é que gostar não basta - pensava.
Giovanna gostava do seu chapéu listrado;
gostava da sua pele de papel;
gostava do modo como ele gesticulava com as mãos;
gostava das sobrancelhas arqueadas.
Acontece que, gostar dessas coisas era simples, complicado mesmo era definir
André só no "gostar"

Eu gosto de você,
André dizia.

Giovanna gostava dos amigos que tinha;
gostava de ir ao cinema;
gostava de conhecer gente nova;
gostava de música francesa e de tomar café;
gostava de descansar as mãos na água corrente
porque, estranhamente, isso lembrava André.
Giovanna gostava de tanta coisa

só não gostava de  gostar 
de André.

Giovanna não se importava com o
silêncio de André, com sua aparente
falta de atenção ou de interesse.
André nunca ligava ou perguntava como ela estava.
Em André, quase não sobrava tempo pra Giovanna.

[[Isso deveria incomodar qualquer mulher]]

Mas não incomodava Giovanna.
Ela não se importava com quem André saia, à que horas voltava pra casa
Quantos amores ele teve antes dela e se algum ainda o procurava.
Se tinham algo certo ou indefinido.
É que Giovanna tinham mesmo era preguiça de perguntar.

E insisto, que, não por não se preocupar
A verdade mesmo é que só Giovanna ainda não
entendia que essa sua falta de interesse
é que é gostar.