terça-feira, 5 de janeiro de 2016

COMICHÃO



Hoje é natal.
E nesse exato momento acabo de acender a árvore aqui de casa, mesmo ainda sendo cinco da tarde no horário de verão.
Sei dos gastos com a conta de energia. Mas pela primeira vez, eu quis ver a árvore acessa.
Minha casa é pequena. Moro em um apartamento com meus avôs, meu tio e meu pai. Hoje é véspera de natal, então todos foram para a casa da minha tia, onde ficou combinado que amanhã acontece aquele tão tradicional almoço de natal em família.
Vontade mesmo de ir eu não tenho. Mas vou. Vou porque acabo percebendo que, mesmo com todas as circunstâncias, amo minha família. 
Mas hoje preferi a minha própria companhia. Que já é imensa.
Nesses últimos meses ando em completa harmonia com minha solitude, então resolvi aproveitar um dos únicos e raros dias em que minha casa fica sozinha e silenciosa.

Andei pela paulista ontem e já aproveitei pra comprar um incenso. 
"São várias opções de aromas. Eu mesmo que faço." O cara disse.
Escolhi o de Patchuli, porque assim, estranhamente, me sinto mais próxima de você que está na Bahia agora, sabe-se lá em qual cidade ou em qual das tantas praias maravilhosas que o Nordeste tem a oferecer. Infelizmente não conseguimos nos comunicar desde a manhã de segunda-feira.
Pode ser por intuição ou cumplicidade, mas mesmo sem conseguirmos nos falar, sei que tudo está correndo bem.
Tanto ai como aqui.
E por falar em cumplicidade..estive olhando as fotos suas que tirei e gosto de pensar que é essa a definição que vem na minha cabeça.
Companheirismo, afinidade e respeito.
Pensar nisso me faz lembrar de uma frase de Matilde Campilho: "Acredito que esse começo de século será nosso batismo de voo para a persistência no amor."
Essa foi uma das frases mais bonitas que li nesse ano.
O incenso que escolhi tem um cheiro bom. Me percebo um pouco mais sensível hoje. Mais receptiva e aberta para tudo. Canalizando boas energias e sensações para comigo mesma. Sou agora um misto das saudades que sinto de ti com um torpor suave de ansiedade pelo novo.
Acho que é aquele velho sentimento de esperança, que costuma ficar mais intenso nos finais de ano. Uma profunda e incontrolável ansiedade pelo futuro. Uma ânsia de viver que é quase difícil de deixar mansa no peito.
Traço planos de viagens para os próximos meses. Mas todos eles me parecem tão incertos quanto a data da sua volta. Carrego comigo um comichão no peito. Sei que talvez não saiba o que é um comichão, então vou deixar aqui pra você:

Comichão
substantivo feminino

1.  fig. vontade imensa de fazer algo; desejo veemente; tentação

A Amanda costuma dizer que acha engraçado essa coisa que nós temos, de ficar explicando as palavras um pro outro. Disse até que acha bonito.
Começa a tocar uma música bem boa e fico feliz ao perceber que meu espanhol melhorou e muito. Consigo entender o que cantam e até arriscar alguns versos. Isso me faz soltar um riso despretensioso e alegre. A canção diz: son las once horas y once minutos y estamos donde tenemos que estar.

O chá que coloquei pra esquentar ferveu e caiu no fogão. Tavez seja hora de parar de escrever.
E sim, nós estamos onde temos que estar. E seguimos conectados aguardando um novo ano.
Reforço a persistência no amor.

Te extraño.


sexta-feira, 15 de maio de 2015

[meu] TEMPO

Ando sumida. 
Talvez não por escolha, mas por fazer sem perceber mesmo.
Percebi que encarei a vida de peito aberto, ou como meu professor diz, de ombros abertos pro mundo. Agora me coloco dentro da casca pra errar mais. Uma, duas e até mil vezes se necessário. Quero fazer como nos meus desenhos e me esboçar cheia de imperfeições só pra poder ir corrigindo sem pressa.

Tenho brigado com o tempo.
Acordo todos os dias às 5 da manhã, coloco no soneca e perco a hora. Levanto atrasada,pego metrô e ônibus cheio e acabo perdendo o começo da aula. Tento usar o pouco de concentração que tenho para os cálculos, sem muito sucesso. 3 meses de aula e ainda tenho dúvidas em conta de divisão.
Saio e vou pro serviço. Sem horário de almoço e de mau humor, por vezes acabo dando resposta atravessada pra alguém. Respiro. Procuro sempre me lembrar de respirar. Saio tarde e volto pra casa. Cansada, com sono. Me olho no espelho e percebo que não pode ser assim. Até quando vou continuar fazendo tudo errado e ficar me sabotando? Agradeço,rezo como sei, busco exaltar meus defeitos e assim poder enxergar minha verdadeira essência.
Entendo que a parte ruim vai passar, e enquanto não passa, procuro voltar a sentir prazer nas coisas pequenas que me cercam. Na colherada do doce de abóbora que meu pai preparou, na gratidão em chegar em casa e ter fartura na geladeira, na minha roupa lavada com carinho pela minha avó, no banho quente que tira meu cansaço, nas 5 horas de sono que me devolvem a energia.
Agradeço por tudo. Em um dia que chove e faz o trânsito parar, agradeço pela água que cria tudo. Quando o tempo é curto e me impossibilita de fazer o que preciso, respiro, fecho os olhos e agradeço por estar viva e poder sentir o tempo correr.
Já não saio como antes. Nego grande parte dos convites que recebo, e isso não é nada pessoal com ninguém. Minha cabeça precisa de solitude e é nela que encontro alguma calmaria. Ando por ai com um Buda preso dentro de mim. Medito enquanto ando, medito em meio ao caos.
Respiro.
Comecei a reparar mais nos idosos e isso me dá vontade de passar mais tempo com eles. A boa e graciosa terceira idade. Acredito que a resposta de tudo que procuro está contida em cada gesto deles. Caminham sem pressa, falam o necessário, reconhecem seus limites, dizem bom dia e obrigado. Existe uma certa inocência nos idosos, assim como nas crianças.
Idosos não lutam mais contra o tempo. Andam de mãos dadas com ele e por isso não sofrem de ansiedade.

Dona Ivone é uma senhora que conheci essa semana. Pintora aposentada, viúva, anda com dificuldade, fala pouco e ri bastante. Minha mãe cuida e mora com ela.
D. Ivone demora uns 10 minutos pra subir a escada da sala. Devagar, um pé depois do outro, para pra descansar, conversa com minha mãe e recomeça. Cada passo seu contém toda sua vida. Em cada passo seu um universo de tempo.
Na sala tem um relógio antigo. D. Ivone conta que o relógio era de seu falecido marido e que ele gostava de dar corda de hora em hora. Quando ele morreu o relógio parou de funcionar. Tentaram de tudo, mas ninguém conseguiu arrumar.
Ela me diz que é importante aprender a respeitar o tempo.
A história me pega de jeito. Logo eu, que ando sempre tão apressada, em pé de guerra com cada relógio que encontro.

[[É preciso calma ]]

Só assim a vida te escuta.
Como naquela música do Almir Sater:  "penso que compreender a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente"
Agora já não quero mais brigar com o tempo. 
Me coloco em minha casca, me reconstruo e me mostro pro mundo outra vez.
Não sou eu
Não sou artista.
Não sou meu sobrenome.
Não sou meu rg ou um sexo definido.
Não sou e nem me atrevo mais a ser meu ego.
Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DO DIA QUE O CAVALHEIRO SAMBOU



[[[ Rua estreita - Casa 05 Fundos ]]]

Adentrei a casa com olhos curiosos. Casa simples, pequena. Imãs desenhados na geladeira, uma coleção de xícaras coloridas, garrafas vazias em uma caixa no canto da cozinha.

Ouço o arranjo da música abraçando o quarto.
Meus olhos acompanham cada movimento do Cavalheiro. O desprender dos cachos do seu cabelo, suas costas nuas dançando sem preocupação, suas mãos balançando no ar, a boca desafiadora aberta em um sorriso com os dentes à mostra.
Seus movimentos ágeis são calculados, animalescos, livres. Os cabelos soltos emoldurando o rosto fino e incógnito
Percebi que não sentia necessidade de saber sobre o passado do Cavalheiro.
Quem era ou de onde veio, com quem cresceu e viveu, quais eram seus valores, seu signo, no que acreditava e buscava, o porquê da pequena cicatriz em seu ombro.
Nada disso tinha relevância.
Seu passado e futuro se fundiam num poço sem mistérios para mim.
Só o que eu via era o Cavalheiro à minha frente, de costas esguias e pele bronzeada, andando nu pela casa ao som de Caetano.
Seu quadril reagia ao som assim como minhas mãos reagiam ao seu toque felino.Como um leopardo negro ele avança sobre meu corpo, presa fácil que sou. A explosão de um gozo contido, rápido, libertador. Seu toque ricocheteava como o vento da janela aberta de um carro em movimento.
Seu olhar brilhava com qualquer coisa de ceticismo místico.Um semblante da insanidade ao avesso de Dalí com um toque da loucura amarela de Van Gogh.
Um animal selvagem que não podia ser domesticado.Com sua lucidez disfarçada, ele girava o tronco em seu próprio eixo.
As mãos acariciando o ar. Os olhos fechados. Cachos negros soltos. Um leopardo, um camaleão, um escorpião. Um Eros perdido na Terra.

Caetano cantava e o Cavalheiro sambava até seu corpo e o mundo ficar odara.


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

PROFUNDA CALMARIA


Foto: Luisa Soares

O mar é calmo e leve como o vento,
me encontro sentada na beira
do deck com as ondas
preguiçosas indo de encontro
as pedrinhas onde afundo meus pés.

[Risadas próximas de um clown
que toca seu acordeão]

Meu âmago cheio de meu próprio ser
desliza tranquilo por
entre chakras e mantras
iluminados pela luz do luar.

Na relva ouço o canto dos pássaros
em uma bela sinfonia, como uma
orquestra bem ensaiada onde
o maestro é a mãe natureza.
Eles cantam em coro rodeando
o balbuciar sôfrego das
corujas e o tec tec tec
da minha máquina de escrever.

Vejo um verde que contêm todas
as cores do universo transpostas
em si

Tons rosados que desabrocham do
topo da folhagem,musgo marrom
esverdeado metamorfoseado nas
pedras que, esculpidas uma nas outras,
formam uma escadaria até o
infinito do céu.

Os insetos insistentes voando ao redor
da lâmpada acessa,
uma janela entreaberta
em que a cortina trepida, lânguida,
saudando o novo dia

A fumaça de um cigarro inexistente
se dissipando junto ao
sereno da manhã.

E o mar que continua ali
silencioso,inerte e só.
Imenso e completo
cheio de seu próprio vazio.
Imerso em sua solidão, e como um
gato selvagem observa o movimento
ao seu redor, com seus grandes olhos
de profundidade.

Olhos oblíquos do mar
que estão sempre a te fitar.


Florianópolis
Novembro/2014


domingo, 5 de outubro de 2014

PAULISTA


A noite estava muito
bonita
para não passar
na
Paulista.

realmente bonita

Tão limpa
tão viva
tão Paulista.

Meu coração ardia
e
acho que entendi
o que Kerouac dizia:
sobre estar em chamas.

Tudo se movia
colidia
tão Paulista
tão poesia.  
Out/ 2014

12:53


Oh, romances Shakespearianos
Não me abandonem
nunca!

Neste novo despertar
insólito.
Busco como fuga uma
aurora de sensações.

Intrépidas, ausentes e
presentes, aqui,
neste novo despertar.

Jan/2014

OS MESES


Quantos meses cabem
                        em um dezembro?
No meu
seis
no seu
coube meu coração.

No seu nós,
coube meu sou
           tão só.

Quantas estações cabem
                           em um dezembro?

No meu
quatro
no seu
coube meu jardim.

Coube uma avenida inteira
terminada em canção
a
contingência de
minhas alucinações.
                       
Coube uma casa
                   em 3x1

Coube flores
cor de anil
que
se cansaram de minhas
mãos.

e

Coube a antinomia
do meu eu.

Jan/2014

OS DIAS

Terça-feira
e uma gota
de chuva que molha
o meu telhado.
Suspiro.
Vou bem,
vou indo
e apesar de tudo
...
é
fácil mesmo não tá
mas relaxa,
que eu não desisto