sexta-feira, 15 de maio de 2015

[meu] TEMPO

Ando sumida. 
Talvez não por escolha, mas por fazer sem perceber mesmo.
Percebi que encarei a vida de peito aberto, ou como meu professor diz, de ombros abertos pro mundo. Agora me coloco dentro da casca pra errar mais. Uma, duas e até mil vezes se necessário. Quero fazer como nos meus desenhos e me esboçar cheia de imperfeições só pra poder ir corrigindo sem pressa.

Tenho brigado com o tempo.
Acordo todos os dias às 5 da manhã, coloco no soneca e perco a hora. Levanto atrasada,pego metrô e ônibus cheio e acabo perdendo o começo da aula. Tento usar o pouco de concentração que tenho para os cálculos, sem muito sucesso. 3 meses de aula e ainda tenho dúvidas em conta de divisão.
Saio e vou pro serviço. Sem horário de almoço e de mau humor, por vezes acabo dando resposta atravessada pra alguém. Respiro. Procuro sempre me lembrar de respirar. Saio tarde e volto pra casa. Cansada, com sono. Me olho no espelho e percebo que não pode ser assim. Até quando vou continuar fazendo tudo errado e ficar me sabotando? Agradeço,rezo como sei, busco exaltar meus defeitos e assim poder enxergar minha verdadeira essência.
Entendo que a parte ruim vai passar, e enquanto não passa, procuro voltar a sentir prazer nas coisas pequenas que me cercam. Na colherada do doce de abóbora que meu pai preparou, na gratidão em chegar em casa e ter fartura na geladeira, na minha roupa lavada com carinho pela minha avó, no banho quente que tira meu cansaço, nas 5 horas de sono que me devolvem a energia.
Agradeço por tudo. Em um dia que chove e faz o trânsito parar, agradeço pela água que cria tudo. Quando o tempo é curto e me impossibilita de fazer o que preciso, respiro, fecho os olhos e agradeço por estar viva e poder sentir o tempo correr.
Já não saio como antes. Nego grande parte dos convites que recebo, e isso não é nada pessoal com ninguém. Minha cabeça precisa de solitude e é nela que encontro alguma calmaria. Ando por ai com um Buda preso dentro de mim. Medito enquanto ando, medito em meio ao caos.
Respiro.
Comecei a reparar mais nos idosos e isso me dá vontade de passar mais tempo com eles. A boa e graciosa terceira idade. Acredito que a resposta de tudo que procuro está contida em cada gesto deles. Caminham sem pressa, falam o necessário, reconhecem seus limites, dizem bom dia e obrigado. Existe uma certa inocência nos idosos, assim como nas crianças.
Idosos não lutam mais contra o tempo. Andam de mãos dadas com ele e por isso não sofrem de ansiedade.

Dona Ivone é uma senhora que conheci essa semana. Pintora aposentada, viúva, anda com dificuldade, fala pouco e ri bastante. Minha mãe cuida e mora com ela.
D. Ivone demora uns 10 minutos pra subir a escada da sala. Devagar, um pé depois do outro, para pra descansar, conversa com minha mãe e recomeça. Cada passo seu contém toda sua vida. Em cada passo seu um universo de tempo.
Na sala tem um relógio antigo. D. Ivone conta que o relógio era de seu falecido marido e que ele gostava de dar corda de hora em hora. Quando ele morreu o relógio parou de funcionar. Tentaram de tudo, mas ninguém conseguiu arrumar.
Ela me diz que é importante aprender a respeitar o tempo.
A história me pega de jeito. Logo eu, que ando sempre tão apressada, em pé de guerra com cada relógio que encontro.

[[É preciso calma ]]

Só assim a vida te escuta.
Como naquela música do Almir Sater:  "penso que compreender a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente"
Agora já não quero mais brigar com o tempo. 
Me coloco em minha casca, me reconstruo e me mostro pro mundo outra vez.
Não sou eu
Não sou artista.
Não sou meu sobrenome.
Não sou meu rg ou um sexo definido.
Não sou e nem me atrevo mais a ser meu ego.
Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.