segunda-feira, 23 de junho de 2014

..NÓS DA CIDADE..

(Foto: Bárbara Fialho)

13:00. O celular apita com alguma notificação e só por isso desperto. De um pulo só, porque alguma coisa no tom dos raios de sol entrando pelas frestas da janela me dizem que já é tarde o suficiente. Uma só olhada na tela do celular e pronto. Droga! Tarde pra cacete. Levanto até com a cabeça tonta, tropeço nos brinquedos do quarto. Um campo minado. É isso que esse quarto parece. As malditas peças de lego por todo o chão.
No celular tantas mensagens que prefiro nem começar a ler. Todas da minha mãe, certeza. Pego blusa, cachecol, sapato.No espelho não gosto do que vejo e lembro do que minha amiga costumava dizer. "Mulher quando termina um relacionamento muda o cabelo, já que não dá pra mudar de cidade". Dou risada. Em questão de minutos me desfaço da roupa de dormir e estou pronta para ir em lugar nenhum.
"A chave está na caixa de correios". Sua mensagem foi enviada com sucesso.
Quanto tempo não mandava um sms. Agora com toda essa tecnologia é uma coisa já extinta. Quem é que manda sms hoje em dia? Ninguém. Só mesmo minha mãe.Gosto disso.
Saio e preciso de alguns segundos para me acostumar ao sol, mesmo ele quase não existindo.O que pega mesmo é a claridade. O céu parece confiável.Caminho devagar em direção ao ponto de ônibus e a avenida caminha junto, imóvel, silenciosa. Pessoas de verde e amarelo. Perucas, tintura no rosto. Gente feliz por um só dia. Depois volta tudo ao normal. O mesmo trânsito no horário das 18 horas, o mesmo caos no metrô, especialmente na linha amarela, o corredor de ônibus que de corredor não tem nada. Entro e desço no ponto seguinte, é que decido dar uma passadinha na Paulista. O dia acordou com qualquer coisa de diferente hoje. Eu até achei graça na insistência do sol que não estava lá. Respirei fundo. Puxei bem o ar que me faltava. E faltou por muito tempo mesmo. Percebi que tinha parado de respirar. E de andar. De sentir o sol-claridade. Parei até mesmo de acordar. Andava por ai sonambulando o tempo todo.Acho até engraçado usar um gerúndio para explicar minha falta de vida. Lembro de uma música do Gonzaguinha que meu avô escutava:


                                                                "Eu quero mais é me abrir
e que essa vida entre assim
como se fosse o sol
desvirginando a madrugada
quero sentir a dor dessa manhã
nascendo, rompendo, rasgando
tomando meu corpo e então
eu chorando, sofrendo
gostando, adorando, gritando"

Não sei mesmo por qual motivo lembrei dela. Acho que por conta do sol. E do excesso de gerúndio.A luz vermelha da porta pisca, indicando o lado certo do desembarque. As portas abrem, as pessoas descem, as portas fecham. Tudo sincronizado e as pernas começam a se misturar. Se você tiver uma imaginação fértil, e eu mesma nunca entendi essa frase, e andar olhando somente para o chão, vai perceber que a multidão de pernas formam variados desenhos, como em um quadro surrealista. E eu associo essa coisa de imaginação fértil com um solo adubado, e fico vendo terra na cabeça das pessoas. Algumas nascendo flores e outras nascendo nada. E até que faz sentido. A minha tem tanta merda que já pode nascer um jardim inteiro. Dois minutos. É o tempo que meus devaneios duram e o tempo que levo até a entrada da estação Consolação. No cruzamento entre a Augusta e a Paulista divago ainda mais. As pessoas atravessam apressadas, cada qual pensando em seu próprio destino. Coisa de quem mora na cidade ter pressa assim. Correr e correr só por correr. Na Paulista é mais fácil você ser atropelado por pessoas do que por carros. É bom ter cautela. E sempre neste cruzamento, e repito, somente neste, divago sobre a mesma coisa. São milhares de rostos e nenhum que eu procuro.Como é possível estar cercado de tanta gente e ainda assim se sentir só? Acontece o tempo todo então acendo um cigarro e deixo a fumaça sumir junto com o devaneio. Ando até a próxima estação e paro, olho pra cima, para os lados, até onde a visão alcança. Um céu tão bonito de inverno que até os prédios o abraçam. A cidade fica bonita vista de ponta cabeça. Mas meus pés estão bem presos no chão. Pego o metrô outra vez e cruzo a cidade que conheço bem. Faço um joguinho bobo de a cada estação lembrar de algum acontecimento. Brigadeiro,Ana Rosa, Santos Imigrantes, Sacomã. Cada qual com sua lembrança. Não volto pra casa, mas vou pra do vizinho. Toco a campainha e ele abre. De regata branca, com alguns furos, chinelo, um suéter gasto e o cabelo solto. Ele sorri. Coloca jazz enquanto passa o café. Me convida para ir até o Peru com ele como se me chamasse pra ir até a padaria da esquina. "Vou atravessar o deserto de sal e depois pegar a rota do Chile". Penso em tantas coisas. Como foi mesmo que conheci esse cara? Ah, é meu vizinho. Louco que só ele. Ouço as bombas então sei que o Brasil marcou um gol.Golaço daqueles. Vuvuzelas, crianças gritando, um coro entonando o hino. O vizinho pega um livro do Kerouac e lê para mim. Como se o mundo estivesse acabando e nada mais importasse. Anjos da Desolação. Ele lê um trecho que me faz entrar em transe. Nele, um homem está sentado de ponta cabeça na terra. No espaço mesmo, sentado no mundo como se estivesse sentado em uma daquelas bolas de ginástica, enxergando asas de anjo em todos. Kerouac é mesmo um santo, pensei. O dia acordou diferente, enfim. Me sacudindo, me lembrando de respirar. Despeço-me e volto o caminho para casa. Onde é mesmo minha casa? Nunca sei e a cada dia ela me parece diferente.Reparo nas pessoas na rua. Aqui no bairro todos andam devagar, sem pressa nenhuma, cansados de correr.Cansa estar em movimento.Nós, seres urbanos,cansamos de tudo.

Que engraçado é morar na cidade.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

AMORES DE PLURAL

Não me interessam os relacionamentos
A aliança, a casa dos pais
o almoço de domingo.

Eu gosto mesmo é das paixões.
Das rápidas e intensas
Das desenfreadas e impulsivas.

Dos amores que são
no plural.

Amores devem ser como
os de Vinicius de Moraes
ou
como o de Camões.

Amor como o
de Lusíadas.
oito mil versos rimados
terminados em sílabas unidas

Amores são tantos
são vários
e
são todos no plural.

SABE QUANDO VOCÊ NÃO SABE?



 Sei.

Ele disse, perdido, enquanto recolhia as garrafas vazias
tentando encontrar a si mesmo.
(nas entrelinhas)

Quero escrever tudo e gritar meu silêncio
Deixar a tristeza falar alto de tanta insistência
E eu sei que cada um vai ouvir só aquilo
que quiser.

Um tempo ai
me disseram que tudo seria fácil
Mas tudo o quê?
Basta escrever - eles disseram
Com a teimosia de antes e a graça de sempre
Movendo a solidão nos bares que frequenta

xxx

O metrô do alto tem o cheiro
do meu melhor amigo - Pensei.
Mas
meu caderno anda ficando cheio
de nada.
As folhas brancas ganharam, enfim.
E eu aqui, cheia de tudo.

Andando de bairro em bairro nas tardes de domingo
perdendo tempo demais tentando ganhar o tempo.
Umas poesias velhas em algum canto,
um livro do Bukowski 
que odiei.

Comecei a ter preguiça de tudo
De comer, escrever, conversar, fumar, trepar
Delicada mesmo nunca fui
então tá bom.
Dos poucos amigos que tinha, ignorava todos.
Primeira, segunda e terceira pessoa
misturava tudo e livro que é bom  não saia nada.

Queria fugir de São Paulo
ô cidadezinha sem graça
Mais mentirosa que eu.

Como é que a gente sabe quando uma coisa termina
e outra começa?
Sabe que eu não sei - Ouvi ele dizer.
E o medo, o que é que a gente faz com ele
mesmo?

Rapaz, vou te falar que eu tô com
um medo tão filha da puta
mas chega mais
porque
sei lá.