[[[ Rua estreita - Casa 05 Fundos ]]]
Adentrei a casa com olhos curiosos.
Casa simples, pequena. Imãs desenhados na geladeira, uma coleção de xícaras
coloridas, garrafas vazias em uma caixa no canto da cozinha.
Ouço o arranjo da música abraçando
o quarto.
Meus olhos acompanham cada movimento do Cavalheiro. O desprender dos cachos do seu cabelo, suas costas nuas
dançando sem preocupação, suas mãos balançando no ar, a boca desafiadora aberta
em um sorriso com os dentes à mostra.
Seus movimentos ágeis são calculados,
animalescos, livres. Os cabelos soltos emoldurando o rosto fino e incógnito
Percebi que não sentia necessidade de saber sobre o passado
do Cavalheiro.
Quem era ou de onde veio, com quem cresceu e viveu, quais eram
seus valores, seu signo, no que acreditava e buscava, o porquê da pequena
cicatriz em seu ombro.
Nada disso tinha relevância.
Seu passado e futuro se fundiam num poço sem mistérios para
mim.
Só o que eu via era o Cavalheiro à minha frente, de costas
esguias e pele bronzeada, andando nu pela casa ao som de Caetano.
Seu quadril reagia ao som assim como minhas mãos reagiam ao seu
toque felino.Como um leopardo negro ele avança sobre
meu corpo, presa fácil que sou. A explosão de um gozo contido, rápido,
libertador. Seu toque ricocheteava como o vento da janela aberta de um carro em
movimento.
Seu olhar brilhava com qualquer coisa de ceticismo místico.Um
semblante da insanidade ao avesso de Dalí com um toque da loucura amarela de
Van Gogh.
Um animal selvagem que não podia
ser domesticado.Com sua lucidez disfarçada, ele girava o tronco em seu próprio
eixo.
As mãos acariciando o ar. Os olhos
fechados. Cachos negros soltos. Um leopardo, um camaleão, um escorpião. Um Eros
perdido na Terra.
Caetano cantava e o Cavalheiro
sambava até seu corpo e o mundo ficar odara.